Inbuí - Niterói

Inbuí - Niterói

25 maio 2010

Saúde, consumo e natureza

Nome: Daniele Calmon Blanc

Desde tempos imemoriais, todos os povos e culturas se enchiam de veneração em face da realidade sagrada do Divino e somente nos últimos quatro séculos surgiu um tipo de humanidade cega a estas dimensões e, após séculos de cultura materialista e antropocêntrica, buscamos hoje ansiosamente o resgate de nossas raízes ancestrais, uma espiritualidade simples e sólida, baseada no valor intrínseco de cada coisa, no trabalho feito com amor, competência e honestidade e na transparência das intenções. (Maturana e Zöller, 2004).

A partir do fim do séc. XX e inicio do século XXI foi ficando claro que o ser humano esta cada vez mais desvinculado do sagrado e exposto a situações de risco graves: riscos sociais como a violência, riscos naturais como as chuvas cada vez mais fortes e os terremotos, riscos ambientais com a poluição do ar e sonora que afeta nossa saúde física e mental. (Sá, 2009) E essa relação, entre o ambiente e o padrão de saúde dos seres humanos é chamada de “Saúde Ambiental”, (Tambelli; Câmara, 1998) que encontra-se fortemente abalada devido as mais variadas situações , tais como: A forte urbanização sem planejamento, a grande migração das zonas rurais para as cidades, a falta de segurança, a falta de políticas públicas, a utilização de fontes de energia não renováveis, o conflito entre os povos e nações, a degradação ambiental associada a devastação dos recursos naturais, o modelo econômico centrado na produção, no consumo e na concentração de riquezas.

Todas estas situações geram stress tanto no trabalho como na vida pessoal de todos os humanos, onde nos tornamos vitimas de nós mesmos devido a modificações climáticas, doenças, conflitos sociais e competitividade descomedidas. (Sá, 2009)

O desenvolvimento das especialidades na medicina, onde se fragmenta as partes do corpo para compreendê-las, foi uma estratégia importante para o desenvolvimento da ciência em termos de diagnósticos e cura, porém vários outros problemas surgem a partir desta fragmentação do conhecimento, fazendo com que nós seres humanos perdêssemos a autonomia. (Sá ,2009), ou seja, somos incapazes de viver e escolher sem um especialista, não exercitamos a escuta corporal e intuitiva, precisamos sempre de um outro “especialista” que nos diga até o que comer.

A educação foi também fragmentada fazendo com que o ser humano de hoje tenha grande dificuldade de unir, integrar, cooperar e tenha a visão do todo. Criando assim um mundo esquizofrênico, com manifestações neuróticas de padrões de beleza impossíveis, do consumo descomedido e sem fim. Havendo nos últimos anos um aumento continuo de várias doenças, como depressões, transtornos de ansiedade, doenças respiratórias, câncer, endometriose, diabetes, e outras. Mas como não adoecer num mundo onde a violência é cada dia mais grave gerando grande medo, onde as relações são cada dia mais descartáveis atendendo á lógica do consumo e do prazer imediato, onde não temos para cuidar de nossos filhos e do que comemos?

Empurram-nos garganta abaixo o fast food, o vegetal químico, o corpo estereotipadamente belo, os carros maravilhosos e nos dizem que se não dermos conta de tudo somos incompetentes. A sociedade cobra tantos “Produtos” que se não os temos somos menos dignos. E a depressão tão falada hoje em dia se dá pela eterna insatisfação de que tudo é pouco... Quando não temos o essencial.

Estudos comprovam que os agentes químicos encontrados no meio ambiente como pesticidas, herbicidas, inseticidas, produtos de limpeza pode causar alteração hormonal nos seres humanos, podendo levar, principalmente as mulheres, a infertilidade, a fibroses e endometriose. (2007, Marchese)

Mas nem é necessário tantas pesquisas, basta olhar em volta para perceber que estamos alterados sim, homens, mulheres, crianças, mundo. A mulher numa jornada tripla não tem tempo nem para ovular, ter uma relação prazerosa e simplesmente prestar atenção a seus ciclos, as crianças nas mais tenras idades encontram-se sem o seio materno e já se tornaram um nicho da sociedade de consumo, os homens em sua sede de consumo tem grande dificuldades de aprofundar a relação além do sexo e da materialidade.

Nessa nossa modernidade tudo o que há de mais importante passou para segundo plano e se tornou efêmero: as relações familiares e de amizade, o cuidado, a criatividade, o amor, o nosso corpo, as artes, a prevenção de doenças.

Hoje não se previne doenças devido à indústria farmacêutica que dá jeito em tudo, não se mantém um casamento, pois as pessoas não têm a mínima paciência e somos rapidamente substituível, cuidar virou perda de tempo, o popular “nada se cria e tudo se copia” gerou uma multidão de cópias superficiais, o amor é líquido e se esvai entre os dedos e o corpo é um veículo de locomoção da inteligência ou então o um produto da mídia narcísica onde as artes viraram mera alegoria. Será que com tudo isso é possível ser saudável?

Para Bauman (2001, pág.91) “Ser saudável signifiga na maioria das vezes “ser empregável”: ser capaz de um bom desempenho na fábrica, de “carregar o fardo” com que o trabalho pode rotineiramente onerar a resistência física do empregado.O estado de aptidão, ao contrário, ´significa ser flexível, absorvente, ajustável, pronto para viver sensações ainda não testadas e impossíveis de descrever de antemão. Se a saúde é uma condição “nem mais nem menos”, a aptidão está sempre aberta do lado do “mais”: não se refere a qualquer padrão particular de capacidade corporal, mas a seu potencial de expansão...A saúde diz respeito a seguir as normas, a aptidão diz respeito a quebrar todas as normas e superar todos os padrões”.

Com efeito, é necessário que cresça um novo paradigma de religação, de reencantamento pela natureza e pelo natural, cresce a pedagogia do cuidado: que não é um ato, mas uma atitude de preocupação e de envolvimento afetivo com o outro. Construímos o mundo a partir de laços afetivos, o amor é que da origem à sociedade, e a cooperação faz parte do amor. Na ausência do amor destrói-se o social, e se o social persistir ganha à forma de segregação, de dominação e de violência, surgindo à competição porque esta é a negação da necessidade do outro, é uma recusa a dividir. (BOFF, 1999)

O mercado hoje é de competição, por isso desumano e excludente. Por isso a educação que se valoriza é uma educação conteudista, competitiva, onde está contido o “que vença o melhor”, onde nossas crianças encontram-se ou estafados ou abandonados. Porém a educação atual se encontra preocupada em que tipo de laço social esta criança construirá com o mundo a sua volta? Que tipo de percepção esta criança terá? A educação propicia felicidade e autoconhecimento? A educação propicia saúde ou aptidão?

Referência Bibliográfica:

- BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001.

- SÁ, P. K. 2009. Consumo, saúde e sustentabilidade.

- Marchese, Marianne. 2007. Influências do meio ambiente na Saúde da Mulher.

- Câmara, V. M &. Tambellini, A.T. A temática saúde e ambiente no processo de desenvolvimento do campo da saúde coletiva: aspectos históricos, conceituais e metodológicos. Ciência & Saúde Coletiva, 3(2): 47-59, 1998.